quarta-feira, 26 de outubro de 2011

À Conversa com ... M. T. Horta

o livro




Jornalista, poeta, ficcionista e figura incontornável da cultura portuguesa, Maria Teresa Horta manteve durante toda a sua vida uma atitude ousada e firme, em todas as frentes. Lutadora incansável em prol dos direitos femininos, a par de um intenso combate pelas mulheres portuguesas, construiu, ainda, uma obra vasta no campo da poesia (19 livros) e da ficção (6 romances e diversos contos) portuguesas, tendo marcado decisivamente as gerações de 60 e 70 em Portugal. Figura polémica, chocou a sua geração e a opinião pública com a sua poesia erótica e ousada, tendo sido uma das três autoras, juntamente com Maria Isabel Barreno e Maria Velho Velho da Costa, das “Novas Cartas Portuguesas” (1971).
Da sua vida e obra nos fala Maria Teresa Horta, com a serenidade e o olhar lúcido e frontal de sempre, desmascarando a hipocrisia e os preconceitos que marcaram a sua época, revelando o seu carácter indomável e a imensa força que se esconde nesta mulher de aspecto frágil, com olhar de espanto sobre a vida.

Maria João Cantinho – Estreou-se na poesia em 1960, com “Espelho Inicial”. Como revê essa década de 60, tão importante na poesia portuguesa?

Maria Teresa Horta - Para mim foi uma década de permanente descoberta. De deslumbramentos, de criatividade intensa: verso após verso, poema em poema, trepando, mergulhando e logo subindo, buscando em meu redor e dentro de mim mesma. Querendo experimentar, tacteando à volta, caldeando com a dúvida o que já sabia ou intuía, misturando o susto com a alegria e com a viagem interior. Foi, também, uma época de encontro com outros escritores, outros poetas, escuta de diversas vozes, de novas propostas poéticas. E igualmente com a pintura: misturando as cores e os versos; distribuindo a púrpura, o rubro, pelo interior das poesias, assim como o azul-cobalto e o carmim no corpo das palavras. Um corpo táctil, erógeno, de prazeres intensos. Desse modo testava os sabores, os odores, na temperatura vertiginosa da escrita, fazendo-a explodir de desejo. Desejo ostensivamente feminino, vindo das suas raízes e da sua estrutura interna.

M.J.C. – Lembro Octávio Paz, dizendo na sua obra “O Arco e a Lira” que a poesia era também um produto social, jamais poderia ser dissociada da sua época e do seu tempo, sobretudo da história. Em que medida se entrosaram, na sua obra esses elementos?

M.T.H. – Claro que a poesia é, também, um produto social, nunca dissociada do seu tempo e até do seu meio, e na poesia que tenho vindo a fazer esse facto parece-me ser por demais evidente. Apesar de isso ter acontecido (e continuar a acontecer), sobretudo pelo seu próprio avesso. Ou seja, tendo parte da minha poesia sido escrita (período entre 1960, início de 1970) sob um regime fascista, que proibia tudo, começando pela liberdade e pela ousadia, em vez de ela se deixar tolher, amedrontar, acontecia que, naturalmente, explodia, ousava, reclamava-ardendo. Desafiava. Desobedecia. “Minha Senhora de Mim” é o exemplo mais cabal dessa atitude, que acabou por desencadear da parte do governo, dos censores, da PIDE (e não só... também da burguesia bem pensante da altura), drásticas atitudes repressivas em relação a mim e a tudo o que escrevia, enquanto escritora, poetisa, e enquanto jornalista. O que, de imediato, desencadeou da minha parte, em vez de um recuo, uma tentativa de ir ainda mais longe, quer a nível temático, quer a nível da linguagem, que na altura nenhuma mulher usava. Posso dar como exemplo disso “Educação Sentimental”, escrito já depois de proibição de “Minha Senhora de Mim”, durante o processo e julgamento de “Novas Cartas Portuguesas”.

M.J.C. – Como foi possível a publicação de “Minha Senhora de Mim” ou de “Novas Cartas Portuguesas” naquela época?

M.T.H. – Só foi possível porque não havia censura prévia, no que dizia respeito à edição de livros. A proibição vinha depois... aliás, como aconteceu. Mas aconteceu mais: o Moreira Baptista, então secretário de Estado da Informação e Turismo, chamou a Snu Abecassis, dona da Dom Quixote, onde “Minha Senhora de Mim” tinha saído, e disse-lhe que se voltasse a publicar outra obra minha mandaria fechar a editora. No que diz respeito a “Novas Cartas Portuguesas” foi diferente. Quando eu, a Maria Isabel Barreno e a Maria Velho da Costa demos o livro por terminado, tínhamos já três ou quatro editores que se propunham editá-lo, mas ao lerem o original tiveram medo e deram o dito por não dito. Apenas restou a proposta da Natália Correia, então directora literária de “Estúdios Cor”. E acabou por ser ela que, corajosamente, fez ponto de honra em publicá-lo.

M.J.C. – Que consequências lhe trouxe a ousadia de publicar um livro erótico feminino, num país em que o erotismo constituía um território do homem?

M.T.H. – Para além da proibição da PIDE e das ameaças políticas, criou-se uma efervescente celeuma em torno de “Minha Senhora de Mim”. As ameaças e os telefonemas insultuosos para minha casa sucederam-se, a ponto de ter de mandar tirar o meu nome da lista telefónica. Houve, também, bilhetinhos, convites insidiosos para sair à noite, para jantar, etc., enviados por homens que não conhecia. Enfim, gerou-se todo um clima de mal-estar à minha volta, que, insidiosamente, mais parecia pretender atemorizar-me, castigar-me... Pior do que isso: envergonhar-me! Afinal, como me chegaram a dizer, “uma mulher de respeito não escrevia daquele modo, não dizia aquelas coisas...”

M.J.C. – Qual o impacto que teve, sobre a sociedade portuguesa e sobre as mulheres portuguesas, em particular, o vosso julgamento, aquando da publicação das “Novas Cartas Portuguesas”?

M.T.H. – Bem, digamos que teve pouquíssimo impacto, a não ser a nível dos escritores, pois na altura havia censura prévia que, implacável, pesava sobre os jornais e jornalistas. Isto quer dizer que qualquer notícia, artigo, reportagem, que dissesse respeito a “Novas Cartas Portuguesas”, eram cortados. A esmagadora maioria das pessoas nem sabia do nosso julgamento. Ao contrário do que acontecia no estrangeiro, onde se falava muito do caso, se faziam manifestações, marchas, acontecendo mesmo a ocupação da embaixada portuguesa na Holanda pelas feministas holandesas.


Ler o resto da entrevista aqui:

http://www.storm-magazine.com/novodb/arqmais.php?id=261&sec=&secn

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