terça-feira, 17 de maio de 2011

o melhor das instituições e das pessoas

A confiança e a cooperação

"A silagem da vida pessoal e comum é o pior caminho. Te­mos de sair de nós, dos iguais a nós, dos que só pensam como nós e dar os novos nós de que este país precisa para construir um futuro melhor, aberto, fundado sobre o encontro, sobre os nossos valores partilhados, à medida dos nossos passos. Temos de traba­lhar nas fronteiras, não dentro. O nosso direito não consiste em garantirmos todos os nossos direitos, porque, como diz Lèvinas, os direitos do homem são "originariamente os direitos do outro homem". A nossa responsabilidade é o nosso dever de cuidado do outro, de acolhimento do outro, que é o lugar onde nasce a necessidade imperiosa da justiça, o lugar onde a polis é essa praça de hospitalidade onde estão todos os outros, sujeitos e autores da história. Não há amanhãs que cantam. Ou são os nossos passos que atravessam as fronteiras e reconhecem e cooperam e se com­prometem ou não haverá mais caminho (ainda que se continue penosamente a caminhar sem se saber para onde).A manter-se o quadro de desconfiança em que se vive é mpossível avançarmos, que não seja para entrarmos no jogo do avança-recua-avança-recua, isto é, num jogo de resultado zero. Um jogo que se joga mesmo em exaustão, mas apenas porque tem de ser. Por sua vez, a confiança é um caminho, mais, é o caminho. Como é que se gera a confiança, como é que ela se alimenta e prolonga no tempo?Como diz Elinor Ostrom (2009), essa questão pode enunciar-se, no quadro da sua teoria dos sistemas e da governan­ça policêntrica, do seguinte modo: como incentivar instituições policêntricas a serem mais inovadoras, aprendentes, confiantes, cooperantes em ordem a um desempenho social mais eficaz, mais equitativo e sustentado?A confiança desempenha um papel central nas relações so­ciais e na resolução dos problemas concretos. Desde logo, em cada comunidade local. Se queremos mesmo mudar de política educacional, a questão não consiste mais em saber como é que nos podemos relacionar melhor com o Estado, como é que este nos vai apoiar mais, como é que lutamos entre nós pelos "seus" sub­sídios e recursos, mas sim como é que socialmente nos organiza­mos para o sucesso dos nossos alunos, como é que robustecemos a nossa capacidade de alcançar melhorias, em cada escola, como é que desenvolvemos a cooperação, as sinergias e, sobretudo, como é que fazemos emergir mais e melhores compromissos comuns, em prol do bem comum, aplicando bem os nossos tão escassos recursos.A retórica da debilidade da sociedade civil, como dissemos, corresponde a uma fabricação do Estado autoritário e uniformi­zante para justificar o seu intervencionismo sem limites. E não nos deixa sequer ver que é este intervencionismo que gera as mais variadas debilidades e as mais servis dependências e que a persis­tência deste modelo só perpetua as debilidades. E também não deixa ver que a principal debilidade está na falta de inteligência e solidariedade com que o mesmo Estado actua e delapida recursos comuns.Já Stuart Mill, em meados do Séc. XIX, dizia que "a ca­racterística peculiar do ser humano civilizado é a capacidade de cooperação. E esta, como todas as outras faculdades humanas, tende a desenvolver-se com o uso e roma-se capaz de abranger uma gama cada vez maior de acções". Nesta premissa antropológica profetizou, em 1848: "não há nada de mais seguro, entre as mudanças sociais do futuro próximo, do que um crescimen­to progressivo do princípio e da prática da cooperação" (Bruni, 2010). Pena foi que a economia de mercado, colocada diante do desastroso arranque do Séc. XX -Primeira Guerra Mundial e Re­volução Soviética - tivesse feito uma deriva para uma lógica tão servil ao lucro, quando sempre lhe esteve aberto o campo da livre inicitiva e da cooperação para a resolução dos problemas huma­nos. Mas estamos sempre a tempo, como já se pressente um pouco por todo o mundo, de seguir um rumo diverso.Somos pessoas e somos cidadãos, não somos consumidores estatais e votantes (mesmo que possamos livremente votar e até, quando necessário, "votar com os pés"). Vivemos num contexto de profunda transição cultural (não apenas de crise financeira ou económica) e já não chega repetirmos o disco de sempre: o mer­cado falha, os indivíduos estão desorganizados e não estão dis­postos a resolver os seus problemas, a sociedade civil é débil, logo o governo vai ter de resolver! Ou então que a escola de virtudes é a vida privada, que o bem-ser e o bem-estar são problemas que se colocam apenas quando acabamos o nosso trabalho, pois serão problemas pós-produtivos e pós-públicos.Chega de cairmos nestas armadilhas da perpetuação, por um lado, da exploração estatista da sociedade e do adormecimen­to desta num colo de proteccionismo estatal e, por outro, da ex­ploração humana pelo trabalho, quando mercado e civilidade são amplamente compatíveis (Bruni, 2010)) É preciso fazer o luto de um século XX desperdiçado e avançar sem medo para novos ága­pes, reconstruindo aí, no encontro e na pólis, a própria política.

Precisamos sobretudo de construir mais e mais confiança no outro (pessoas e instituições) e desenvolver em comum regras institucionais bem combinadas com os contextos concretos. Estas relações de confiança constituem uma causa e um efeito dessa abertura ao outro, dessa capacidade de ousar trabalhar nas fron­teiras. As pessoas têm motivação e capacidade para resolverem os seus problemas. Quem diz que não têm é quem ou quer conti­nuar a deter um poder de controlo sobre os outros, para os mais variados fins de escravização, ou não percebeu ainda como é que se podem gerar ambientes e desenhar quadros institucionais que favoreçam essa mobilização das capacidades das pessoas e das ins­tituições. Ora, esse constitui o papel central das políticas públicas: facilitar a geração desses ambientes e o desenho desses quadros institucionais que tragam, em liberdade de acção e organização, o melhor das instituições e das pessoas (...)."



Joaquim Azevedo (2011), Obra citada

via
http://terrear.blogspot.com/

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