sábado, 19 de março de 2011

Eugénio de Andrade

Poética
Texto ou Antologia para Prosa

"O futuro do homem é o homem", estamos de acordo. Mas o homem do nosso futuro não nos interessa desfigurado. Este animal triste que nos habita há milhares de anos, cujas possibilidades estamos tão longe de conhecer, é o fruto de uma desfiguração - acção de uma cultura mais interessada em ocultar ao homem o seu rosto do que em trazê-lo, belo e tenebroso, à luz limpa do dia. É contra a ausência do homem no homem que a palavra do poeta se insurge, é contra esta amputação no corpo vivo da vida que o poeta se rebela. E se ousa "cantar no suplício" é porque não quer morrer sem se olhar nos seus próprios olhos, e reconhecer-se, e detestar-se, ou amar-se, se for caso disso, no que não creio. De Homero a S. João da Cruz, de Virgílio a Alexandre Blok, de Li Bay a William Blake, de Bashô a Kavafis, a ambição maior do fazer poético foi sempre a mesma: Ecce Homo, parece dizer cada poema.


Eugénio de Andrade,in " Afluentes do Silêncio", Editorial Inova Limitada, Dezembro 1970, trecho retirado da Fundação Eugénio de Andrade



http://www.fundacaoeugenioandrade.pt/prosa_c.htm

via
http://sonhar1000.blogspot.com/

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