quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Recensões - Eça

As Batalhas do Caia de Mário Cláudio



Publicou Mário Cláudio em 1995, na comemoração dos 150 anos do nascimento de Eça de Queirós e nos 95 do seu falecimento, o romance As Batalhas do Caia. O autor partiu do texto A Catástrofe incerto na obra O Conde d'Abranhos, em que Eça de Queirós põe a hipótese de Portugal ter sido invadido pelo país vizinho, e de uma carta do mesmo a Ramalho Ortigão em que fala do projecto de escrever um romance sobre o assunto.

O texto de Eça, nas páginas finais, faz verter uma lágrima patriótica ao leitor mais incauto. O romance de Mário Cláudio, no final, leva-nos a um sorriso complacente pelo descabelado país que nos coube face ao nascimento.

Mas cinjamo-nos ao livro de Mário Cláudio, que é, parte dele, o livro que Eça não escreveu. Só por si é isto motivo de apreensão. Como pode alguém que não seja o próprio, e sem ter descoberto qualquer manuscrito ou dele dar notícia, mesmo que falseada, escrever um livro que outrem tinha na cabeça? Conseguiu Mário Cláudio essa proeza? Creio que não era seu propósito tal coisa, como aliás o dá a entender nas páginas conclusivas. O que Mário Cláudio fez foi fazer ressurgir os últimos momentos da vida do autor, roído pela doença intestinal. A invasão castelhana e a reacção à mesma torna-se assim numa espécie de pesadelo de moribundo.

As reflexões de Policarpo, a personagem que conduz o discurso no relato da invasão, remetem não só para outras obras queirosianas onde largamente se descreve e comenta a degenerescência da sociedade portuguesa, mas em especial para a presente derrocada da identidade cultural. Portugal como peculiar país dificilmente sobreviverá aos ataques das suas estruturas culturais engendradas pela implementação da aldeia global.

O livro, além do relato da hipotética invasão espanhola, apresenta-se como biografia do grande escritor, graficamente distintas as passagens com a alteração dos caracteres para itálico quando se introduz a narração dos episódios relativos à invasão.

A história da invasão acompanha a história clínica do escritor. Este morre em Paris e Portugal, com a fuga dos espanhóis que se pressupõe, regressa à pacata sensaboria de país do sul e pobre. Enquanto os políticos o esventram na capital, morre-se de tifo e de febre amarela na província e os cidadãos crescem na eterna ignorância de saberem quem são.

Livro duro, agressivo na boca de Policarpo, desmitificador, «ex-libris fatal», pequeno corvo atento sobre a caveira do Mestre». A última história que Eça não contou foi publicada 95 anos após o seu falecimento e lembra que o monóculo se encrava no olho para remirar o país sem rei nem roque enquanto houver alguém que leia o autor de A Catástrofe.

José Leon Machado, 07-12-1997
via
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/letras/crit028.htm


http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/letras/recenso.htm

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